terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Crônica Lua Nua

NUA
SÍLVIA: É... O que é que a gente vai fazer?

LÚCIO: É um problema mesmo... Só que estou atrasadíssimo, depois você me liga para dizer como é que resolveu por hoje.

S: Espera aí Lúcio. Acho que você não entendeu ainda. A saída de Dulce é um problema nosso não apenas meu.

L: Mas foi você que despediu a moça, você causou o problema, agora resolve você, ora.

S: Ela extrapolou todos os limites, poderia ter sido com você, é como se ela tivesse... pedido demissão. É um problema da nossa casa, a ser resolvido, portanto conjuntamente.

L: Só que eu tenho uma entrevista com os americanos às dez e meia e estou atrasado.

S: Mas eu também tenho uma entrevista às dez e meia...

L: Ah, você não vai querer me comparar agora essa sua entrevista com o meu trabalho, vai?

S: Ah! A minha entrevista é uma frescura, apenas. O seu trabalho é muito mais importante que o meu.

L: Não é bem isso...

S: é? Diga, responde, Lúcio. É mais importante?

L: É! Pronto. Quis escutar, escutou, Sílvia. É claro que meu trabalho é muito mais importante do que o seu.

S: Pooooooooooor quê?

L: Porque... Ora, não vamos agora começar uma discussão mesquinha. Eu me nego a ser ridículo.

S: Pois eu proponho que sejamos.

L: Sílvia, eu estou atrasado, não tenho tempo para debates (Pega a pasta e vai à direção à porta da rua.).

S: Tem razão... Também estou atrasadíssima e não tenho tempo para debates (Pega a sua pasta e também vai à direção à porta de saída).

L: Quer parar de brincadeira?

(...)

S: Por que seu trabalho é mais importante do que o meu Lúcio?

L: Não é uma questão de importância Sílvia. O que você faz no escritório e o que você faz\ nesta casa são coisas valiosíssimas, mas veja... Você ficou três meses aqui, só amamentando...

S: Amamentando o nosso filho. Que agora já está com oito meses... E nosso, aliás, da sociedade toda!

L: Não começa! Eu não vou ter paciência, agora, para discurso. Ou faz nhenhenhem ou faz discurso, assim, não dá! Vamos parar de lero-lero, ta? O meu trabalho pesa mais do que o seu porque ele é para valer, escutou bem? É o meu, o meu trabalho, e não o seu que garante a segurança desta família. È com o meu salário, e não com o seu, que você conta para ter (Aponta para os pacotes de compra) esse supermercado aí, assistência médica, seguro de vida, carteirinha do clube e tudo o mais. Ta bom?

S: Amanhã pode ser o meu, lembra da tua mãe?

L: Mas o problema é hoje. È hoje que vamos resolver se vamos para os Estados Unidos ou não.

S: Sabe que você nem me perguntou de verdade, se eu quero mesmo ir? Talvez, para mim, não seja a melhor época para sair daqui.

L: Não estou entendendo. O que você está tentando me dizer?

S: Isso mesmo que você está escutando. Estou muito entusiasmada com a minha profissão neste momento. Com o caso Teixeira Leite.

L: “Caso Teixeira Leite”... Ô, Silvia, eu não queria desqualificar você, mas esse seu caso é uma bobagem! Indenização por perda de emprego de uma filhinha de papai rico. Nós dois sabemos que você não passa de uma secretária de luxo no escritório de seus amigos...

S: Sou uma advogada! Muitas vezes me esqueço disso, mas eu sou. E esse é o meu primeiro caso. Sozinha. Está escutando, Lúcio! (pausadamente) É o meu primeiro caso. Os Teixeira Leite têm influência, é a minha chance. Já faltei na primeira entrevista porque o Júnior estava com quarenta graus de febre.

(...)

L: (...) Olha, Sílvia, eu quero te ajudar, eu entendo que é uma barra, mas tenho de ir andando porque já são mais de nove horas, é um absurdo o que já me atrasei...

S: (gritando) SAAAACOOOOOO!

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