terça-feira, 24 de janeiro de 2012

4 cenas de Aurora de minha vida de Naum Alves


O visitante e a professora velha
Um clima de certa irrealidade

Voz gravada: Como a ave que volta ao ninho antigo
                              Depois de um longo e tenebroso inverno                    
                              Eu também quis rever o lar paterno,
                              Meu primeiro e virginal abrigo.
                              Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
                             O fantasma, talvez, do amor materno,
                             Tomou-me as mãos,-olhou-me grave e terno
                             E, passo a passo, caminhou comigo
     (Aparecem o Visitante e a Velha Professora.
     Sons fantasmagóricos de vozes de crianças recitando
     tabuadas, lendo. A velha passa visto nos cadernos, carteira por carteira.
     Revela-se o Visitante.)
     
     Professora: Você estava com saudades?

     Visitante: Eu não sei por que eu resolvi pensar na escola.
      Professora: Não sabe, meu filho? 

      Visitante: Sabe como eu me lembro da escola? Às vezes como uma coisa boa, às  vezes
     como um lugar onde eu estava sempre angustiado.

     Professora: Você não gostava dos professores?

     Visitante: Eu não sei se gostava mesmo ou era um dever, como o dever de gostar da Pátria,
      da família. Acho que me contaram muita história mentirosa, que não correspondia à verdade.

     Professora: Eu também não sabia toda a verdade das coisas. Muitas vezes a verdade não 
     pode ser dita, é proibida. Há leis que proíbem, você sabe.

    Visitante: A gente não tinha liberdade para nada. Os professores decidiam a vida
    dos alunos, os diretores a dos professores e alguém, lá em cima, devia decidir a dos diretores.

    Professora: Precisava haver ordem, disciplina.
    
    Visitante: Sabe uma coisa que eu nunca pude falar? “Ontem eu faltei porque  o dia estava muito
     bonito, o sol tão gostoso, que eu fiquei correndo e brincando. E a minha mãe não ficou brava e
     meu pai não me bateu.” Não era nada bom ficar preso, com aquele calor, as moscas
     zumbindo, prestando atenção em coisas sem o menor interesse.

     Professora: Mas nada tinha interesse?

    Visitante: É que olhando a manhã pela janela, dava uma vontade de correr, brincar,
     subir em árvore, nadar em rio...

    Professora: Pare, por favor.
    
    (Sai o visitante)


    Cena 2

     Durante o intervalo, Gêmea 2  surpreende Gêmea 1 lendo uma carta.

Gêmea 2: Que é isso que você ta lendo? Eu conto, hem?
Gêmea 1: Não é da sua conta. É uma novena. É que eu quero fazer uma promessa.
G2: Bilhetinho mudou de nome. É? Se você não me mostrar, fica sem lanche. Eu guardei os dois.
G1: Não enche! Vê se desgruda! Eu quero ter a minha vida.
G2: Não fale mais comigo. Nunca mais na vida. Você sempre foi um estorvo para mim
(Agarram-se pelos cabelos.) (Puxa, entrando, pressente o clima e resolve piorar.)
Puxa: Tem algum problema se eu ficar aqui na classe?
(As duas sacodem os ombros.)
P: Desculpe perguntar, mas qual de vocês duas o seu pai e sua mãe gostam mais?
Gêmeas: Das duas igual.
P: Mas a minha mãe falou que a “suas” mãe falou que você é mais bonita e você mais inteligente.
Gêmeas: Ela me paga.
P: Não é nada. É brincadeira minha. Minha mãe adorou vocês. Falou que foram as melhores da audição.
Gêmeas: Obrigada.
G2: Ela quer que a gente seja concertista.
P: A minha mãe quer que eu estude para médico. Ela disse que acha lindo. Disse que já fica imaginando eu todo de branco.
G1: Eu não quero ser concertista. Prefiro trabalhar num circo de palhaço.
G2: Eu vou contar para ela, hem? Já não chega o que ela é nervosa?
G1: Eu não quero e pronto.
G2: Você quer matar a mamãe. Ela não pode mais tocar, porque ela é muito nervosa e a mão dela treme muito. Todo mundo diz que é lindo nós duas tocando igual.
P: Deve ser bem bom ser gêmeas, não é? Eu queria ser.
Gêmeas: Tem dia que enche.
P: Já pensou as duas de miss? Minha mãe foi miss.
Gêmeas: Não parece.
P: Faz tempo, coitada. Foi miss da Festa da Uva. Qualquer dia eu trago a fotografia. Ela era linda.
G1: Pode ser que ela fosse...
G2: Mas agora...
P: Agora ela está acabada coitada. Meu pai acabou com ela. Por isso que eu quero fazer o gosto dela e me formar médico. Ela que vai ser minha madrinha de formatura.
Gêmeas: Se você passar...
P: Vocês estão duvidando? Par de vasos!
Gêmeas: para de xingar senão a gente dá queixa!
P: Estão parecendo a Gorda. Duas bestas!
Gêmeas: Besta é você, mulherzinha!

Cena 3

O aluno que comia caca de nariz.
(Um menino distraído, tira cacas do nariz e come.)
Aluno 1: Olha ele.
Classe: Vai ter baile! Ele está limpando o salão.
Professora: Vem já aqui. Que é que você está comendo?
Aluno 2: Nada.
Aluno 1: Estava sim porque eu vi.
Aluno 3: Eu também vi ele comendo.
Aluno 4: Ele comeu uma cacona assim.
Aluno 5: Ele é porco. Ele não toma banho.
Aluno 6: Ele não lava nem a orelha nem o pé. Ele tem cascão.
Professora: Quietos, todos. Quieta classe. Você não sabe que é muito feio comer caca? Que caca é uma coisa suja? Que só gente porca é que faz isso?
Aluno 2: Eu não estava comendo nada. É tudo mentira porque ninguém gosta de mim nesta classe. É tudo mentira.
Professora: Eu também vi você comendo. Ou você está me chamando de mentirosa? Está, hem? Responda. A professora é mentirosa?
Aluno 2: Não. Mas eu não estava comendo. Eu nunca comi. Eles que inventaram. Ele que inventou primeiro.
Aluno 1: Eu não inventei nada. Todo mundo viu.
Professora: Você é porco? Mora no chiqueiro?
Aluno 2: Não.
Aluno 6: Mora sim.
Aluno 7: Ele mora numa privada. (a classe ri)
Aluno 2: Não moro. Vocês é que moram.
Professora: Vou chamar sua mãe e seu pai. (aluno 2 sacode os ombros). Malcriado. Ninguém te deu modos? Você não se importa se eu chamar seus pais?
Aluno 2: Pode chamar, que me importa?
Professora: Que quer marcar o nome dele no quadro?
Todos: Eu.
Professora: (apontando) Você. Pode marcar o nome dele. Já que você não tem medo nem da sua mãe nem de seu pai, vai ter medo de mim. Estenda as mãos. (pega a palmatória)(aplausos). Vai ganhar dez bolos para parar de comer caca de nariz. E mais dez para parar de ser malcriado. Promete parar de comer sujeira de nariz?
Aluno 2: prometo.
Professora: Mais dez para se lembrar de ter mais respeito com a professora. Todos contando, um, dois, três...
Aluno 2 (chorando): Para.
Professora, só mais algumas. Podem sair Você fica de castigo, Esperem um pouco. (Pega duas orelhas de burro e coloca no aluno 2) Para o canto. Eu me mato de ensinar e você não aprende nada. Por quê?
Aluno 2: Não sei.

Escuro.

Cena 4

Mãe/Gêmeas/Diretor

Mãe: Eu vim trazer as moças. Mas parece que elas estão com medo.
Diretor: Duas moças desse tamanho com medo de vir para a escola? A escola não morde. Vem aqui dizer o seu nominho no ouvido do titio, vem? Vem, gordinha.
Gêmea 1: Eu não chamo gordinha.
Diretor: Então, como é que você se chama? Conta para o titio.
Gêmea 2: Ele não é o tio da gente.
Diretor: Mas de agora em diante eu vou ser.
Gêmea 1 : Você não é irmão do meu pai.
Gêmea 2: Nem da minha mãe.
Mãe: É tio só de brincadeira. Dá um beijinho no titio, dá?
Diretor: Se não quiser dar beijo, não precisa. Mas conta o nominho para o titio. (as meninas sacodem a cabeça, negando.) Como é mesmo? Parece que eu não ouvi direito. O gato comeu a língua dela.
Mãe: Comeu? Comeu nada. Conta pro titio. Você tem um nome tão bonito, conta.
Gêmea: Não fala, não.
Mãe: Eu te belisco, hem (belisca)
Gêmea 2: Ai!
Diretor: Que braveza. Que carinha mais enfezada. Dá uma risadinha pro titio, dá?
Gêmea 1: Quer parar? Eu não estou achando a menor graça.
Mãe: O senhor me desculpe. O meu marido mima muito as duas. Em casa vocês vão ver uma coisa. É isso que dá agente nunca bater em vocês.
Gêmea 2: Nunca é? Até aprece.
Gêmea 1: Até parece.
Mãe: Em casa vocês vão ver uma coisa.
Diretor: Criança é criança. Está na hora da aula. A senhora pode ir para a casa que eu mando as duas para a classe.
Mãe: Fiquem bem quietinhas e nada de malcriação, hem? Quando acabar a aula, esperem a mamãe na frente da escola, está bom? (um berreiro infernal. As duas esperneiam, agarram na perna da mãe, perdem o fôlego, ficam roxas).
Diretor: Meu Deus do céu. Acho que é melhor levar as duas para casa senão elas morrem...
Mãe: Bicho ruim não morre. Elas vão ficar. Fiquem bem quietinhas e nada de malcriação. Dá um beijinho.
Gêmea 1: Eu não dou. Não também senão eu te bato.
Gêmea 2: Eu também não dou senão ela me bate.
Mãe: Beija a mamãe já.
Diretor: Beijem a mamãe. Ela tem que ir embora. Mostrem como são boazinhas.
As duas: Não.
Mãe: Beija aqui.
As duas: Não beijo
Diretor: Beijem já sua mãe, que eu estou mandando.
Mãe: Beija já senão eu te soco aqui na frente de todo o mundo.
As duas: Não beijo
Mãe: Me beija logo que eu estou ficando histérica.
Diretor: Deixa as duas comigo senão a senhora vai ter um troço. Vocês querem matar sua mãe? (as duas sacodem os ombros) – a mãe sai correndo atrás das filhas.

2 comentários:

  1. Bom dia, Pode-me ajudar? Gostava de ter o texto completo da peça de teatro da "Aurora da Minha vida". Onde o posso conseguir? Caso me possa ajudar este meu email: arturojuanrs2711@gmail.com Obrigado

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  2. Bom dia, Pode-me ajudar? Gostava de ter o texto completo da peça de teatro da "Aurora da Minha vida". Onde o posso conseguir? Caso me possa ajudar este meu email: arturojuanrs2711@gmail.com Obrigado

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