quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

viagem 2012

Estou planejando minha viagem e irei registrar passo a passo o roteiro, roubadas, coisas legais, TUDO.

De inicio planejamos a ida: Navegantes(SC), São Paulo, Itaunas (ES), e Porto Seguro (BA).

Data da ida: 13/02/2012
Chegada em Itaúnas: 17/02/2012
Chegada emPorto Seguro: 20/02/2012

Volta:???? Será que vamos ficar por lá

Neste passeio vamos eu, o Chris e a Gabriela de 5 anos.
Estou super ansiosa, se alguém tiver alguma dica é só mandar.

Até loguinho!!!!!!!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Trecho e pequeno resumo de Vestido de Noiva - Nelso Rodrigues

Vestido de Noiva - Nelson Rodrigues

Trecho1

Lúcia (impressionadíssima para Pedro) - Agora, quando penso em Alaíde, só consigo vê-la de noiva.

Pedro (taciturno) - Foi isso que ela disse, só?

Lúcia (sombria) - Só. Previa que ia morrer!

Pedro (com certa ironia) - Isso também nós prevíamos.

Lúcia - Você diz "nós"!

Pedro - (afirmativo) - Digo, porque você também previa (pausa) . Previa e desejava. Apenas não pensamos no atropelamento. Só.

Lúcia (com desespero ) - Foi você que botou isso na minha cabeça - que ela devia morrer!

Pedro (com cinismo cruel) - Então não devia?

Lúcia (desesperada) - Você é um miserável! Nem ao menos espera que o corpo saia! Com o corpo a dois passos. (aponta para a direção do que deve ser a sala contígua). Você dizendo isso!

Pedro (insinuando) - Quem é o culpado?

Lúcia (espantada) - Eu, talvez!

Pedro (enérgico) - Você, sim!

Lúcia (espantada) - Tem coragem...

Pedro - Tenho. (com veemência) Quem foi que disse: Você só toca em mim casando! Quem foi?

Lúcia - Fui eu, mas isso não quer dizer nada!

Pedro (categórico) - quer dizer tudo! Tudo! Foi você quem me deu a idéia do "crime"! Você!

Lúcia (com medo) - Você é tão ruim, tão cínico, que me acusa!

Pedro (com veemência, mas baixo) - Ou você ou ela tinha que desaparecer. Preferi que fosse ela.

Lúcia - (com angústia) essa conversa quase diante do caixão!

Pedro (sempre baixo) - Não estudamos o "crime" em todos os detalhes? Você nunca protestou! Você é minha cúmplice.

Trecho 2
 (...)
Madame Clessi: Quer falar comigo?
Alaíde (aproximando-se, fascinada): Quero, sim. Queria...
Madame Clessi: Vou botar um disco. (Dirige-se para a invisível vitrola, com Alaíde atrás)
Alaíde: A senhora não morreu?
Madame Clessi: Vou botar um samba. Esse aqui não é muito bom. Mas vai assim mesmo. (Samba surdinando) Está vendo como estou gorda, velha, cheia de varizes e de dinheiro?
Alaíde: Li o seu diário.
Madame Clessi (cética): Leu? Duvido! Onde?
Alaíde (afirmativa): Li, sim. Quero morrer agora mesmo, se não é verdade!
Madame Clessi: Então diga como é que começa. (Clessi fala de costas para Alaíde)
Alaíde (recordando): Quer ver? É assim... (Ligeira pausa) "Ontem, fui com Paulo a Paineiras"... (feliz) É assim que começa.
 Madame Clessi (evocativa): Assim mesmo. É.
 Alaíde (perturbada): Não sei como a senhora pôde escrever aquilo! Como teve coragem! Eu não tinha!
 Madame Clessi (à vontade): Mas não é só aquilo. Tem outras coisas.
 Alaíde (excitada): Eu sei. Tem muito mais. Fiquei!... (Inquieta) Meu Deus! Não sei o que é que eu tenho. É uma coisa – não sei. Por que é que eu estou aqui?
 Madame Clessi; É a mim que você pergunta?
(...)

(Trecho extraído de Teatro Completo de Nelson Rodrigues - Volume 1, Peças Psicológicas. Organização de Sábato Magaldi. Editora Nova Fronteira,1990.)
NELSON RODRIGUES

            Partindo do princípio de que as relações sociais são perversas, todas as atitudes das pessoas revelam a hipocrisia, a competição desleal, os desejos proibidos, o conformismo imbecilizado ou o inconformismo agressivo, enfim, é um universo de obsessivo pessimismo.
            Todas as imagens e símbolos que emergem da peça convergem para essa amarga concepção da existência, sem nenhuma surpresa, com pouca sutileza, de maneira bem clara, em que pese a manifesta intenção de ironizar símbolos sagrados à cultura judaico-cristã. Assim Vestido de Noiva que deveria simbolizar a virgindade, a ingenuidade de sentimentos, a paixão pelo noivo com o qual ocorrerá a união sob a benção de Deus e dos homens, nos mostra um cenário completamente a este apenas descrito e acaba dessacralizando a pureza e a castidade para se tornar a representação das discórdia, da competição, e, a considerar o inequívoco desfecho da peça, em que a marcha fúnebre se sobrepõe à marcha nupcial, termina por adquirir a conotação de mortalha.
            As outras imagens também convergem para o mesmo universo simbólico, como o bouquet, espécie de troféu às avessas e metáfora de um casamento destinado ao fracasso, e a aliança - "grossa ou fina, tanto faz" nas palavras de uma prostituta -, ao invés de celebrar a união do casal, funciona como índice de disputa, rivalidade, ameaça de morte.
            A mulher de véu também se constitui numa imagem de pessimismo. É a mulher que não se revela, mas está sempre pronta a dar o bote, em seu desejo de vingança. É a retaliação sempre presente, que Alaíde só consegue identificar claramente ao final do segundo ato. Provavelmente será a próxima vítima do marido.
Suas peças agrupam-se em três núcleos temáticos:

- Peças psicológicas: A Mulher Sem Pecado (1941); Vestido de Noiva (1943); Valsa nº 6 (1951); Viúva, Porém Honesta (1957); Anti-Nelson Rodrigues (1974).

- Peças míticas: Álbum de Família (1945); Anjo Negro (1946); Dorotéia (1947); Senhora dos Afogados (1954)

- Tragédias cariocas: A Falecida (1953); Perdoa-me por me Traíres (1957); Os Sete Gatinhos (1958); Boca de Ouro (1959); Beijo nos Asfalto (1960); Otto Lara Rezende ou Bonitinha, Mas Ordinária (1961);Toda Nudez Será Castigada (1965); A Serpente(1979).


VESTIDO DE NOIVA

Plano da realidade - Alaíde é atropelada por um automóvel, o motorista foge; os jornais dão a notícia sobre o caso; Alaíde está inconsciente , é operada e morre.

Plano da memória - Recuperam-se os antecedentes do desastre: Pedro, namorado de Lúcia, acaba se casando com Alaíde. Lúcia não perdoa a irmã de ter-lhe furtado o namorado. As irmãs discutem violentamente; Alaíde sai para a rua e sofre o trauma.

Plano da alucinação - Alaíde relaciona-se com uma prostituta do começo do século XX, Mme. Clessi, que foi assassinada por um amante adolescente de dezessete anos. Neste plano, Alaíde projeta suas fantasias, por isso o jovem amante adquire as feições de seu marido, Pedro, identificando-se ela própria com a figura da madame.


POVO – Luis Fernando Veríssimo

POVO – Luis Fernando Veríssimo
-Geneci...
- Senhora?
- Preciso falar com você.
- O que foi? O almoço não estava bom?
-O almoço estava ótimo. Não é isso. Precisamos conversar.
-Aqui na cozinha?
- Aqui mesmo. O seu patrão não pode ouvir.
-Sim, senhora.
-Você...
-Foi o copo que eu quebrei?
-Quer ficar quieta e me escutar?
-Sim, senhora.
-Não foi o copo. Você vai sair na escola certo?
-Vou, sim senhora. Mas se a senhora quiser que eu venha na terça...
-Não é isso, Geneci!
-Desculpe.
-É que eu... Geneci, eu queria sair na sua escola.
-Mas...
-Ou fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Não agüento ficar fora do Carnaval!
-Mas...
-Vocês não têm, sei lá, uma ala das patroas? Qualquer coisa.
-Se a senhora tivesse falado antes...
- Eu sei. Agora é tarde. Para a fantasia e tudo o mais. Mas eu improviso uma baiana. Deusa grega, que é só um lençol.
- Não sei...
-Saio na bateria. Empurrando alegoria.
-Olhe que não é fácil...
-Eu sei. Mas eu quero participar. Eu sambo direitinho. Você nunca me viu sambar? Nos bailes do clube, por exemplo. Toca um samba e lá vou eu. Até acho que tenho um pé na cozinha. Quer dizer. Desculpe.
- Tudo bem.
-Eu também sou povo, Geneci. Quando vejo uma escola passar, fico toda arrepiada.
-Mas a senhora pode assistir.
- Mas eu quero participar, você não entende? No meio da massa. Sentir o que o povo sente. Vibrar, cantar, pular suar.
- Olhe...
- Por que só vocês podem ser povo? Eu também tenho o direito.
- Não sei...
- Se precisar pagar eu pago.
-Não é isso. É que...
- Está bem. Olhe aqui. Não preciso nem sair na avenida. Posso costurar. Ajudar a organizar o pessoal. Ajudar no transporte. O Alfa Romeo está aí mesmo. Tem a Caravan, se o patrão não der falta. É a emoção em participar que me interessa, entende? Poder dizer “a minha escola”. Eu teria assunto para o resto do ano. Minhas amigas ficariam loucas de inveja. Alguns iam torcer o nariz, claro. Mas eu não sou assim. Eu sou legal. Eu não sou legal com você Geneci? Sempre tratei de você de igual para igual.
-Tratou sim, senhora.
-Meu deus, a ama-de-leite da minha mãe era preta!
-Sim, senhora.
-Geneci, é um favor que você me faz. Em nome da nossa velha amizade. Faço qualquer coisa pela nossa escola, Geneci.
-Bom, se a senhora está mesmo disposta...
-Qualquer coisa, Geneci.
-É que o Rudinei e Fátima Araci não têm com quem ficar.
-Quem?
-Minhas crianças.
-Ah.
-Se a senhora pudesse ficar com eles enquanto eu desfilo...
-Certo. Bom.Vou pensar. Depois a gente vê.
- Eu posso trazer elas e...
-Já disse que vou pensar, Geneci. Sirva o cafezinho na sala.

O Homem nú - Fernando Sabino

Ao acordar, disse para a mulher:
      — Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa.  Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
        — Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
        — Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém.   Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão.  Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares...  Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
— Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
— Ah, isso é que não!  — fez o homem nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
— Isso é que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar.  Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador.  Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer?  Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso.  — Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
— Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
— Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
— É um tarado!
— Olha, que horror!
— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão

Crônica Lua Nua

NUA
SÍLVIA: É... O que é que a gente vai fazer?

LÚCIO: É um problema mesmo... Só que estou atrasadíssimo, depois você me liga para dizer como é que resolveu por hoje.

S: Espera aí Lúcio. Acho que você não entendeu ainda. A saída de Dulce é um problema nosso não apenas meu.

L: Mas foi você que despediu a moça, você causou o problema, agora resolve você, ora.

S: Ela extrapolou todos os limites, poderia ter sido com você, é como se ela tivesse... pedido demissão. É um problema da nossa casa, a ser resolvido, portanto conjuntamente.

L: Só que eu tenho uma entrevista com os americanos às dez e meia e estou atrasado.

S: Mas eu também tenho uma entrevista às dez e meia...

L: Ah, você não vai querer me comparar agora essa sua entrevista com o meu trabalho, vai?

S: Ah! A minha entrevista é uma frescura, apenas. O seu trabalho é muito mais importante que o meu.

L: Não é bem isso...

S: é? Diga, responde, Lúcio. É mais importante?

L: É! Pronto. Quis escutar, escutou, Sílvia. É claro que meu trabalho é muito mais importante do que o seu.

S: Pooooooooooor quê?

L: Porque... Ora, não vamos agora começar uma discussão mesquinha. Eu me nego a ser ridículo.

S: Pois eu proponho que sejamos.

L: Sílvia, eu estou atrasado, não tenho tempo para debates (Pega a pasta e vai à direção à porta da rua.).

S: Tem razão... Também estou atrasadíssima e não tenho tempo para debates (Pega a sua pasta e também vai à direção à porta de saída).

L: Quer parar de brincadeira?

(...)

S: Por que seu trabalho é mais importante do que o meu Lúcio?

L: Não é uma questão de importância Sílvia. O que você faz no escritório e o que você faz\ nesta casa são coisas valiosíssimas, mas veja... Você ficou três meses aqui, só amamentando...

S: Amamentando o nosso filho. Que agora já está com oito meses... E nosso, aliás, da sociedade toda!

L: Não começa! Eu não vou ter paciência, agora, para discurso. Ou faz nhenhenhem ou faz discurso, assim, não dá! Vamos parar de lero-lero, ta? O meu trabalho pesa mais do que o seu porque ele é para valer, escutou bem? É o meu, o meu trabalho, e não o seu que garante a segurança desta família. È com o meu salário, e não com o seu, que você conta para ter (Aponta para os pacotes de compra) esse supermercado aí, assistência médica, seguro de vida, carteirinha do clube e tudo o mais. Ta bom?

S: Amanhã pode ser o meu, lembra da tua mãe?

L: Mas o problema é hoje. È hoje que vamos resolver se vamos para os Estados Unidos ou não.

S: Sabe que você nem me perguntou de verdade, se eu quero mesmo ir? Talvez, para mim, não seja a melhor época para sair daqui.

L: Não estou entendendo. O que você está tentando me dizer?

S: Isso mesmo que você está escutando. Estou muito entusiasmada com a minha profissão neste momento. Com o caso Teixeira Leite.

L: “Caso Teixeira Leite”... Ô, Silvia, eu não queria desqualificar você, mas esse seu caso é uma bobagem! Indenização por perda de emprego de uma filhinha de papai rico. Nós dois sabemos que você não passa de uma secretária de luxo no escritório de seus amigos...

S: Sou uma advogada! Muitas vezes me esqueço disso, mas eu sou. E esse é o meu primeiro caso. Sozinha. Está escutando, Lúcio! (pausadamente) É o meu primeiro caso. Os Teixeira Leite têm influência, é a minha chance. Já faltei na primeira entrevista porque o Júnior estava com quarenta graus de febre.

(...)

L: (...) Olha, Sílvia, eu quero te ajudar, eu entendo que é uma barra, mas tenho de ir andando porque já são mais de nove horas, é um absurdo o que já me atrasei...

S: (gritando) SAAAACOOOOOO!

Adaptação e atividades do texto de Gil Vicente - Auto da Barca do Inferno

Gil Vicente – Auto da Barca do Inferno.
Não se sabe exatamente quando e onde Gil Vicente nasceu. Os poucos indícios registram seu nascimento entre 1465 e 1470, possivelmente em Guimarães, cidade portuguesa rica em artistas e artesãos. Foi ai que provavelmente, ele aprendeu o ofício de ourives. Gil Vicente viveu a maior parte de sua vida em Lisboa, centro comercial e cultural de Portugal. De origem popular, não se sabe onde adquiriu a vasta e diferenciada cultura que marcou sua obra – todas, ou quase, afirmações sobre a vida do dramaturgo são suposições.
A obra de Gil Vicente não seguiu nenhum padrão determinado. Não há sinal de que conhecesse o dama grego e não há registro histórico de um teatro  português pré-vicentino. Gil Vicente é, portanto, o criador do teatro de Portugal.
O teatro de Gil Vicente compõe um painel da época e do mundo em que viveu, fazendo uma dramaturgia crítica, ao mesmo tempo satírica e moralizante. Essa é uma das características mais complexas e vitais de seu teatro. Gil Vicente bombardeou praticamente todos os setores da sociedade, poupando apenas as abstratas noções de instituição. Criticou a hipocrisia do clero, em nome da fé cristã. Desbancou a tirania da nobreza, em nome da justiça social. Condenou a corrupção dos burocratas, em defesa do bem público. Nunca deixou de ser contundente e realista.
Foi um dramaturgo privilegiado. Pode desenvolver sua arte com liberdade, sem se preocupar com a sobrevivência diária. Viveu com certa tranquilidade, protegido e incentivado sob o regime de mecenato pelas Cortes de dois reis de Portugal. Mesmo assim, não deixou de criticar a sociedade de seu tempo. Tinha a convicção de que uma das funções sociais da Literatura era a problematização da realidade.
Auto da barca do Inferno: Publicado em 1517, pelo próprio autor a ação de peça desenvolve-se a partir da chegada dos personagens, que, um a um, desfilam por esse porto a procura da passagem para a vida eterna. Todos serão julgados pelo que fizeram em vida. O Diabo e o Anjo acusam, mas só o Anjo pode absolver. Em seguida ao julgamento, são encaminhados a uma das barcas. Tem como cenário fixo duas embarcações, em um porto imaginário, para onde vão as almas no instante da morte.
Texto e resumo adaptado livremente da peça, extraídos do livro Auto da barca do Inferno da Editora Zero Hora, 1998.
Para leitura integral da peça acesse o sítio: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=44



TRECHO 1: O primeiro interlocutor que chega é um fidalgo com um pajem que lhe leva a cauda da roupa e uma cadeira com encosto. Começa o Arrais do inferno antes que o Fidalgo fale:
Diabo: À barca, à barca, olá que temos gentil maré! Ora venham todos à barca.
Companheiro: Feito! Feito!
Diabo: Bem está! Vai tu em má hora. Arruma tudo para aquela gente que virá. À barca, à barca, hu-u! Depressa, que se quer ir! Que tempo de partir, louvemos Berzabu! Ora vamos, que fazes tu? Arruma tudo.
Companheiro: Em boa hora! Feito! Feito!
Diabo: Içar velas, preparar a barca. Oh, que caravela é esta! Põe bandeira, que é festa! Verga alta! Âncora a pique. Ó poderoso fidalgo! Cá vinde vós? Que coisa é esta?
Vem o Fidalgo chegando.
Fidalgo: Esta barca onde vai?
Diabo: Vai para a ilha perdida e há de partir logo.
Fidalgo: Para lá vai a Senhora?
Diabo: Senhor, a vosso serviço.
Fidalgo: Parece um cortiço.
Diabo: Porque o vedes de fora, mas entra para ver que beleza.
Fidalgo: A que terras iras passar?
Diabo: Para o inferno, senhor.
Fidalgo: Terra bem sem sabor.
Diabo: Que, estais a zombar.
Fidalgo: E passageiros achais para tal habitação?
Diabo: Vejo que pode você vir ao nosso cais.
Fidalgo: Eu não!
Diabo: Em que esperas ter a salvação?
Fidalgo: Eu deixo na outra vida quem reze sempre pro mim.
Diabo: Quem reze sempre por ti? (risada) E tu viveste a teu prazer. Por que rezam lá por ti?! Embarcai! Embarcai! Que haveis de ir de qualquer jeito. Mandai meter a cadeira, que assim passou o vosso pai.
Fidalgo: Que? Que? Assim lhe vai?
Diabo: Vai ou vem, embarcai depressa! Segundo lá escolhestes, assim cá vos contentai. Pois que já a morte passastes, haveis de passar o rio.
Fidalgo: Não há aqui outro navio?
Diabo: Não senhor que este fretastes, e primeiro me destes sinal.
Fidalgo: Que sinal foi esse tal?
Diabo: Do que vós vos contentastes.
Entrada da outra barca.
Fidalgo: A esta outra barca me vou.  O da barca! Para onde vai? Ah, barqueiros! Não me ouve? Respondei-me! Estou perdido! Que estúpidos. Com o devido respeito. Não me entende.
Anjo: Que quereis?
Fidalgo: Que me digas, pois parti sem aviso, se esta é a Barca do Paraíso?
Anjo: Esta é; que procuras?
Fidalgo: Que me deixes embarcar. Sou fidalgo de solar, é bem que me recolhais.
Anjo: Não se embarca tirania nesta barca divinal.
Fidalgo: Não sei por que haveis por mal que eu entre minha senhoria...
Anjo: Para vossa fantasia muito estreita é essa barca.
Fidalgo: Para um senhor de minha importância não há aqui cortesia? Abaixe a prancha. Levai-me desta ribeira!
Anjo: Não vindes vós de maneira para ir neste navio. O outro é mais vazio: a cadeira entrará, e o rabo caberá, e todo vosso senhorio.  Vós ireis mais espaçoso com esta senhoria (aponta para o Diabo), cuidando na tirania do pobre povo queixoso. E porque, de generoso, desprezastes os pequenos, achar-vos-eis tanto menos quanto mais fostes pretencioso.
 Diabo: À barca, à barca, senhores! Que maré tão prata! Um ventosinho que mata e valentes remadores.
Fidalgo: Ao inferno todavia ! Inferno há aí para mim? Enquanto vivi, não contei que o inferno havia. Tive que era fantasia: folgava ser adorado; confiei em meu estado e não vi que me perdia. Venha esta prancha! Veremos esta barca de tristeza.
Diabo: Embarque vossa doçura, que cá nos entenderemos... Pegue um par de remos, veremos como remais. E, chegando ao nosso cais, todos bem vos serviremos.
Fidalgo: Espere um pouco. Tornarei à outra vida, ver minha dama querida que quer se matar por mim.
Diabo: Que quer se matar por ti?
Fidalgo: Isto é certo que eu sei.
Diabo: Quando ela hoje rezou foi por dar graças infinitas a quem a desassombrou.
Fidalgo: Quanto ela chorou por mim?
Diabo: De alegria, caro amigo.
Fidalgo: E as lástimas que dizia?
Diabo: Sua mãe as ensinou. Entrai, entrai. Coloque o pé na prancha.
Fidalgo: Entremos, pois é assim.
Diabo: Ora, senhor, descansai, passeai e suspirai. Terá logo mais companheiros.
Diabo: À barca, à barca, boa gente, que queremos dar à vela! Chegar a ela! Chegar a ela. Muitos e de boa mente! Que barca tão valente
O fidalgo entra a contragosto na Barca.
QUESTIONAMENTOS: Que tipo de personagem atual é o fidalgo? Onde podemos pesquisar informações que representem situações onde podemos reconhecer esses tipos de ações e personagens.
TRECHO 2: Entra o Agiota, e pergunta ao Arrais do inferno dizendo:
Agiota: Para onde caminhais?
Diabo: Como demorou, agiota meu parente.
Agiota: Quisera eu lá ficar...
Diabo: Ora me espanto! Não se livrou do dinheiro?
Agiota: (Olha os bolsos) Não me deixaram nem para o barqueiro, que é costume dar um trocado para o defunto atravessar a barca.
Diabo: Não seja por isso, pode entrar.
Agiota: Eu não vou embarcar nesta barca.
Diabo: Que gentil recear.
Agiota: Para onde é a viagem?
Diabo: Para onde tu hás de ir.
Agiota: Havemos logo de partir?
Diabo: Basta de conversa. Se tem pressa podes entrar.
Agiota: Para onde é a passagem?
Diabo: Para o inferno da comarca.
Agiota: Não vou eu em tal barca.
Vai até a barca do anjo e diz:
Agiota: Ó da barca! Haveis logo de partir?
Anjo: E onde queres tu ir?
Agiota: Eu vou para o Paraíso.
Anjo: Aqui não há lugar para ti.
Agiota: Por que?
Anjo: Porque esse bolsão tomará todo o navio.
Agiota: Juro a Deus que vai vazio!
Anjo: Lá é sua barca!
Vai para a Barca do inferno.
Agiota: Tem lugar para mais um.
Diabo: Entra, entra! Remareis! Não perca mais a maré. Irás servir satanás, porque este sempre te ajudou.
Entra na Barca
QUESTIONAMENTOS: Que tipo de personagem atual é o agiota? Onde podemos pesquisar informações que representem situações onde podemos reconhecer esses tipos de ações e personagens.
TRECHO 3: Vem um sapateiro e chega ao batel do inferno:
Sapateiro: Ó da barca!
Diabo: Quem vem aí? Santo sapateiro, honrado, como vens tão carregado.
Sapateiro: Mandaram-me vir assim... E para onde é a viagem?
Diabo: Para o lago dos danados.
Sapateiro: Os que morrem confessados onde têm sua passagem?
Diabo: Chega de conversa. Esta é a tua barca – esta.
Sapateiro: Como poderá isso ser confessado e comungado?
Diabo: Tu morreste excomungado, não o que quisestes dizer. Tu roubastes bem trinta anos o povo com teu ofício. Embarca, em má hora para ti, há muito que te espero.
Sapateiro: Pois digo-te que não quero.
Diabo: Vai ir sim!
Sapateiro: Quantas missas eu ouvi, isto não conta na balança?
Diabo: Ouvir missa – então roubar é caminho para aqui.
Sapateiro: E as ofertas à igreja e as horas rezadas aos mortos?
Diabo: E o dinheiro roubado?
Sapateiro vai-se à Barca do Anjo:
Sapateiro: Ó da santa caravela, podereis me levar nela?
Anjo: A carga te embaraça.
Sapateiro: Não há Deus que me faça largar a carcaça. Isto que carrego é o tesouro do ofício.
Anjo: Esta barca que lá está, leva quem rouba da praça.
Sapateiro: Assim determina que vá coser no inferno?
Anjo: Escrito está no caderno das ementas do inferno.
Torna-se à barca dos danados.
Sapateiro: Ó barqueiros! Que aguardais? Vamos, venha à prancha logo e levai-me àquele fogo!
QUESTIONAMENTOS: Que tipo de personagem atual é o sapateiro? Onde podemos pesquisar informações que representem situações onde podemos reconhecer esses tipos de ações e personagens.

TRECHO 4: Vem um frade com uma moça pela mão entra dançando e cantando (ritmo escolhido pelo grupo)
Diabo: Que é isso, padre? Que vai lá?
Frade: Graças a Deus.
Diabo: Entra na barca. Eu tocarei e podemos fazer uma festa infernal. Essa dama é vossa?
Frade: Por minha a tenho eu, e sempre a tive de meu.
Diabo: Fizeste bem que é formosa! E não vos punham reprovação no vosso convento santo?
Frade: E eles fazem outro tanto.
Diabo: Que coisa tão preciosa... Entrai, padre reverendo!
Frade: Para onde irá esta barca?
Diabo: Para aquele fogo ardente que não temestes vivendo.
Frade: Juro por Deus que não te entendo! E este hábito não me salva?
Diabo:  Gentil padre pecador, Berzebu vos encomendou.
Frade: Corpo de Deus consagrado! Pela fé de Jesus Cristo, que eu não posso entender isso! Eu ei de ser condenado? Um padre tão namorado e tanto dado à virtude! Assim Deus me dê saúde, que eu estou surpreso.
Diabo: Embarca e partiremos: toma o teu remo.
Frade: Não embarco.
Diabo: Embarca.
Frade: Não embarco.
Diabo: Embarca.
Frade: Não embarco.
Diabo: Devoto padre marido, haveis de ser torturado com pingos ferventes.
Frade: Prossigamos nossa história não façamos mais detença. Dá cá a mão, vamos à barca da glória!
Ao batel do Anjo:
Frade: Graças a Deus!Há lugar cá para Reverença? E a senhora por estar comigo entrará lá!
Anjo: Meia volta atrás esta a sua barca.
Frade fica tentando passar, cansado desiste.
Diabo: Padre, haveis logo de vir.
Frade entra na barca.
Entra Brisida Vaz – alcoviteira.
Brísida: Olá da barca, olá.
Diabo: Quem chama?
Brísida: Brísida Vaz.
Diabo: Entrai vós, e remareis.
Brísida: Não quero eu entrar lá.
Diabo: Que saboroso receio.
Brísida: Não é essa barca que eu procuro.
Diabo: Você trouxe algum pertence?
Brísida: O que me convém levar.
Diabo: Com o que vais embarcar?
Brísida: Seiscentos hímens postiços, três arcas de feitiços, três armários de mentir, cinco cofres de dinheiro e alguns furtos alheios, jóias e vestidos. A maior carga ficou lá que eram as moças que eu vendia.
Diabo: Ora, ponha o pé aqui...
Brísida: Eu vou é para o paraíso!
Diabo: Quem te disse isso?
Brísida: Lá hei de ir nesta maré.Eu sou uma mártir, açoites tenho levado e tormentos suportados. Se fosse ao fogo infernal, lá iria todo mundo! A está outra barca me vou, que é muito melhor. Barqueiro, mano, meus olhos: desce a prancha para a Brísida.
Anjo: Eu não sei que te traz aqui...
Brísida: Peço de joelhos. Cuida que trago piolhos, anjo de Deus, minha rosa. Eu sou aquela preciosa a que criava meninas. Eu sou apostolada, angelada e martelada, fiz muitas coisas divinas. Santa Úrsula não converteu tantas cachopas como eu: todas salvas pelo meu, que nenhuma se perdeu. E prove aquela do céu que todas acharam dono.
Anjo: Ora, vai lá embarcar, estas me incimodando.
Brísida: Pois estou a lhe contar o porquê me haveis de levar.
Anjo: Não cures  de importunar, que aqui não podeis ir.
Brísida: E que má-hora eu servi, pois não me há de aproveitar.
Vai para à barca do inferno:
Brísida: Ó barqueiro da má-hora, que é da prancha, que eu me vou.
Diabo: Ora entrai, minha senhora, e sereis bem recebida; se vivestes santa vida, vós o sentireis agora.
Vem o corregedor, chega a barca do inferno:
Corregedor: Ó da barca!
Diabo: Que quereis?
Corregedor: Eu sou o Senhor Juiz.
Diabo: Oh, meu amado...que gentil de sua parte embarcar na minha barca.
Corregedor: E onde vai o Batel?
Diabo: Pro inferno.
Corregedor: Como!? À terra do Demo há de ir um juiz?!
Diabo:  Santo descorregedor, embarcai, e remaremos. Ora entrai, pois que viestes.
Corregedor: Não é de regulare júris!
Diabo: Ita,ita, daí cá a mão. Remareis um remo destes. Faz de conta que nascestes para isso. Abaixa a prancha.
 Entra o procurador. Beija a mão do corregedor.
Corregedor: Ó senhor procurador!
Procurador : Beijo-vo-las mãos, juiz. Que diz esse Arrais? Que diz?
Diabo: Que sereis bom remador. Entrai, bacharel, doutor.
Procurador: E este barqueiro zomba. Essa gente que aí está, para onde a levais?
Diabo: Para as penas infernais.
Procurador: Não vou eu para lá. Outro navio está aqui. E tem a aparência muito melhor.
Diabo: Está avisado, entra aqui que temos que ir embora.
Corregedor: Confessaste doutor?
Procurador: Dou-me ao Demo. Não cuidei que era extremo, nem de morte minha dor. E vós, senhor corregedor?
Corregedor: Eu me confessei, mas tudo quanto eu roubei encobri do confessor...
Diabo: Pois por que não embarcais?
Procurador: Porque acreditamos em Deus.
Diabo: Embarquem na minha barca... Para que esperar mais?
Vão-se embora ao Batel da glória, dizem ao Anjo:
Corregedor: Ó Arrais dos gloriosos, passai-nos neste batel.
Anjo: Pragas para o papel, para as almas odiosos! Como vindes preciosos, sendo filhos da ciência.
Corregedor: Tende piedade e passai-nos como vossos!
Anjo: A justiça divinal vos manda vir carregados, vades embarcar nesse batel infernal.
Corregedor: Venha a negra prancha cá! Vamos ver este segredo.
Procurador: Vamos ver qual é o segredo...
Diabo: Entra aqui que eu te digo.
E vem um homem que morreu enforcado:
Diabo: Venhais embora,  Enforcado. O que me diz?
Enforcado: Eu vos direi o que ele diz que fui bem aventurado que, pelos furtos que eu fiz, sou santo canonizado pois morri dependurado como o boi dependurado.
Diabo: Entra cá, governarás até as portas do Inferno.
Enforcado: Não é nessa nau que eu governo.
Diabo: Entra que ainda caberá.
Enforcado: Os que morrem como eu fiz são livres de Satanás.  E no passo derradeiro me disse nos meus ouvidos que o lugar dos escolhidos era a forca e o Limoeiro: nem guardião de mosteiro não tinha tão santa gente como Alfredo Valente que agora é carcereiro.
Diabo: Dava-se consolação isso, ou algum esforço?
Enforcado:  Com o laço no pescoço muito mal vai esta pregação. Ele leva devoção, que há de tornar a jantar... Mas quem há de estar no ar aborrece-lhe o sermão.
Diabo: Entra, entra no batel que para o inferno hás de ir.
Vêm quatro fidalgos, Cavaleiros da ordem de Cristo que morream na áfrica. Vêm cantando a letra que se segue:
Á barca, à barca segura,
Guardar da barca perdida:
à barca, à barca da vida!
Senhores, que trabalhais
Pela vida transitória,
Memórias, por Deus, memória
Deste temeroso cais!
À barca, à barca, mortais!
Porém na vida perdida se perde a barca da vida.
Vigiai-vos, pecadores,
Que depois da sepultura
Neste rio está a aventura
De prazeres e de dores!
À barca, à barca segura, guardar da barca perdida:
À barca, à barca da vida!
Diabo: Entra cá! Que coisa é essa? Eu não posso entender isso?
Cavaleiro: Quem morre por Jesus Cristo, não vai em tal barca como essa!
Anjo: Ó cavaleiros de Deus, a vós estou esperando; que morrestes pelejando por Cristo, Senhor dos Céus! Sois livres de todo o mal santos por certo sem falha: que quem morre em tal batalha merece paz eterna.