quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Apostila para desenho de perspsctiva e figura humana - aulas 3 e 4

Aula 3 – Data
Assunto: Início de estudo sobre perspectiva.
Questionamento inicial: O que é perspectiva?
Estudo da Perspectiva na História da Arte – técnica e estilo.
Introdução: O surgimento da perspectiva na História da Arte.
Atribui-se a Brunelleschi, por volta de 1424 no Renascimento à descoberta no campo da arte da perspectiva, atribuindo ao estudo leis da matemática pelas quais os objetos parecem diminuir de tamanho à medida que se afastam de nós.
Módulo I
A perspectiva é uma parte da geometria descritiva que serve para representar objetos e ambientes sobre uma superfície plana.  É um recurso utilizado para representar, no papel, que é bidimensional as figuras, as paisagens e os objetos tridimensionais. Essa representação irá apresentar os objetos como nos os vemos e não como eles realmente são. Por esse motivo, às vezes, desenhamos uma estrada que se afunila. Essas distorções são recursos usados para dar a sensação de profundidade.

Você sabia que O Grito foi queimado em sinal de protesto?
Munch pintou várias versões para a mesma obra. O Grito tem nada mais nada menos do que 50 versões.

Você consegue identificar o estudo da perspectiva neste quadro? Imagine um ponto de onde saem linhas para compor o quadro.



Neste quadro de Van Gogh, Quarto em Arles, a perspectiva é exagerada ( as linhas convergem muito mais rapidamente que o observado em uma perspectiva normal. Segundo Raul Campani, no site acima mencionado:
À primeira vista a situação parece normal, salvo pela exagerada longitude da cama, porém uma análise nos revela a carência de ponto de fuga ou nível ótico únicos e mais ainda que a posição da cama não é possível, porque para isso a perna oculta deveria de estar embutida na parede. Apesar de retratar um lugar de descanso, há algo de inquietante nos elementos: o chão parece muito inclinado para frente, os quadros estão distantes demais da parede, os móveis fora do lugar. Testemunho vivo da crise dos valores espirituais do século XIX, Van Gogh abre assim a trilha para aquela ampla corrente artística de conteúdo que é a corrente expressionista moderna. Os expressionistas distorciam a representação racional para criar um mundo que expressava seu próprio turbilhão interior.”


  Roy Lichtenstein – 1992

Atividade 1:  Procure você, livremente, em folha A4, fazer um desenho usando a perspectiva. Se tiver muita dificuldade olhe para exemplos e busque inspiração.
Você pode querer saber mais sobre: o pintor  Masaccio, obra intitulada A Santíssima Trindade com a Virgem, S. João e doadores, primeira obra suposta a utilizar as leis matemáticas da perspectiva
Próxima aula: Diário da aula (alunos:                                                              )
Aula 4 – Data
Módulo II – Elementos da perspectiva
São quatro os elementos da perspectiva: linha do horizonte, ponto de vista, ponto de fuga e linhas de fuga. É necessário conhecer e praticar os elementos para o sucesso nas atividades.
LINHA DO HORIZONTE: É uma linha imaginária que se encontra na altura dos olhos do observador. Imagine que seus olhos estão na cintura de uma pessoa. Desenhe agora uma linha horizontal. Está será a sua L.H. Agora, por exemplo, se você quiser colocar outra pessoa em qualquer outro lugar do desenho, você teria que desenhar a cintura dela sempre na altura desta L.H. E tudo que estiver acima desta linha será visto por baixo. E o que estiver abaixo será visto por cima. É a linha onde o céu e a Terra parecem se encontrar. A linha do horizonte está no nível dos olhos do observador.

PONTO DE VISTA: É a posição em que o observador se encontra em relação aos objeto. A perspectiva muda conforme o ponto de vista. Pode ser uma linha vertical que identifica a posição do observador. O ponto de vista revela o cruzamento entre a linha do horizonte e esta linha vertical.


PONTOS DE FUGA: São os pontos imaginários na linha do horizonte para onde as retas paralelas convergem. São destes pontos que saem as linhas de profundidade. Um objeto pode ser desenhado com 1,2 ou mais pontos de fuga.
LINHAS DE FUGA: São as linhas imaginárias que descrevam o efeito de perspectiva convergindo para o ponto de fuga. É o afunilamento em direção ao ponto que gera a sensação de perspectiva.



Atividade 1: Tente reproduzir os 3 desenhos acima em folha A4, mantenha as linhas de fuga.
Atividade 2: Escolha um local que proporcione o desenho utilizando a técnica da perspectiva, observe atentamente os detalhes, sombras e proporções. Faça o desenho em A4, você não precisa manter os pontos e as linhas de fuga, pode sombrear,  pintar ou deixar somente nas linhas do desenho.
As possibilidades da perspectiva são enormes, em nosso curso teremos apenas uma introdução.
Próxima aula: Diário da aula (alunos:                                                              )


 


Apostila para desenho de perspsctiva e figura humana - aulas 1 e 2

PROCESSO DE ENCAMINHAMENTO DAS AULAS DE DESENHO DE “DES-OBSERVAÇÃO”.
Aula 1 – Data                                   Turma
Questionamentos iniciais: Qual a ideia que temos sobre observar algo? Quanto tempo é necessário para essa ação? Como observar pode ajudar em nosso dia a dia? Como pode nos auxiliar no trabalho? Qual a diferença, se existe, em observar e refletir?
Dinâmica 1 – Agrupamento
Em círculo deverão se observar e conforme o professor falar uma das características deve-se entrar no centro do círculo, assim: pessoas com camiseta, de óculos, de sandália, etc..
Dinâmica 2 – Nome (para grupos que não se conhecem)
·         Cada um diz seu nome, deverá ser feita duas rodadas.
·         Dizer o nome do colega da esquerda
·         Dizer o nome de quem está na nossa frente
Dinâmica 3 – Olhos fechados
·         Como seu colega da esquerda ou direita está vestido.
Considerações sobre os exercícios: levantar questões como tolerância, estereótipos e expressão.
Atividade 1 – Quando a criança começa a escrever, aprendemos a escrever da esquerda para a direita, em linhas retas. Isso limita nossa criatividade. A experimentação da Arte é a sensação de liberdade.
Em grupos deverão compor um mural sobre as observações da semana anterior, de fatos jornalísticos ou temas de interesse do grupo (poderão ser usados como os temas geradores) não deve existir a preocupação com a organização e formato padronizado da expressão. Exposição dos trabalhos com a apresentação.
Texto 1: Expressão – texto extraído do livro de Rudolf Arnheim, Arte e Percepção Visual.
                Não se pode fazer justiça ao que vemos descrevendo- o somente pelas medidas, configurações, cores, fatos, comprimento de ondas ou velocidade, vemos as coisas carregadas de significado expressivo.
                Definimos expressão como maneira de comportamentos orgânicos ou inorgânicos revelados na aparência dinâmica de objetos ou acontecimentos perceptivos. As propriedades estruturais destas maneiras não são limitadas ao que é captado pelas sensações externas, elas são visivelmente ativas no comportamento da mente humana e são metaforicamente usadas para caracterizar uma infinidade de fenômenos não sensoriais; má disposição de ânimo, o alto custo da vida, subida de preços, lucidez dos argumentos, a solidez da resistência.
                Naturalmente temos a tentação de interpretar as expressões numa atitude designada fisiognomomia (a arte de conhecer o caráter dos homens pelas feições do corpo), neste processo podemos fazer julgamentos de expressão que confiam em “estereótipos”,  que os indivíduos adotam prontos de seu grupo social.
A expressão não é apenas do corpo humano. A arte com todas as suas linguagens promove a expressão, cada estilo não é senão um modo válido de ver o mundo, uma vista da montanha sagrada que oferece uma imagem diferente de cada lugar, mas que pode ser vista como a mesma de qualquer parte.
Você pode querer saber mais sobre: fisiognomomia ou estereótipos
Próxima aula: Diário da aula (alunos:                                                              )
Material desta aula: material de recorte, tinta, tesoura, lápis de cor, cartolina, barbante, revistas de recorte,  etc.. Materiais da próxima: DVD Desenho: Arte e Criação, material de recorte, A4 e reproduções das obras selecionadas.
Aula 2 – Data
Atividade 1:  Vídeo da DVDteca – Arte na Escola, Desenho: Arte e Criação. Faça as anotações de pontos interessantes.





Anotações do professor(a):  o que é desenhar? O que vai vir a ser – saber o que se quer – definir intenções- experimentações.
1)      Di Cavalcanti: estilo – grau de complexidade do desenho – descoberta da linguagem pessoal – padrões – texturas – técnicas (aquarela, guache, pico de pena, grafite, scraper board (nanquim)- não permite o retoque – Modernismo – influências das Vanguardas Artísticas.
2)      Sílvio Dworecki: encontrar seu estilo - linha é desenho? – busca pelo estilo – observar sempre – o desenho ensina a olhar – desenho presente em outras linguagens – uso de materiais – desinibição do traço – traços de criança – adestramento – arte no currículo – o olhar seleciona a realidade – os desenhistas são pessoas próximas da essência.
3)      Carla Caffé: Cotidiano – observação – colagem – técnica – repetição – caderno de viagem (portfólio) – Frans Post – Debret – primeira expressão.
Atividade 2: Distribuir entre o grupo o quadro de Magritte,  Ceci n´est pás une pipe ( Isto não é um cachimbo)
“O famoso cachimbo... Como fui censurado por isso! E, entretanto... Vocês podem encher de fumo o meu cachimbo? Não, não é mesmo? Ele é apenas uma representação. Portanto, se eu tivesse escrito sob meu quadro: “Isto é um cachimbo”, eu teria mentido.” (apud Foucault, 1988)
Questionamentos: O que é a representação de algo através da Arte? O que é figurativo? O que é então desenho de observação? Quais as técnicas e o espaço criativo do artista para fazer esse tipo de arte?
Atividade 3: Releituras, apresentar aos alunos releituras de As respigadeiras, de Millet (obra realista ) pesquisadas na internet  e a de Velázquez feitas por Pablo Picasso.
 Questionamentos: O que é uma releitura? A importância da descoberta de seu traço.
Escolher uma das obras apresentadas e fazer a sua releitura com colagem, desenho, música ou representação cênica.
Próxima aula: Diário da aula (alunos:    
Material para a próxima aula: Folha A4, lápis grafite macio e esfuminho.             

                                              


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

viagem 2012

Estou planejando minha viagem e irei registrar passo a passo o roteiro, roubadas, coisas legais, TUDO.

De inicio planejamos a ida: Navegantes(SC), São Paulo, Itaunas (ES), e Porto Seguro (BA).

Data da ida: 13/02/2012
Chegada em Itaúnas: 17/02/2012
Chegada emPorto Seguro: 20/02/2012

Volta:???? Será que vamos ficar por lá

Neste passeio vamos eu, o Chris e a Gabriela de 5 anos.
Estou super ansiosa, se alguém tiver alguma dica é só mandar.

Até loguinho!!!!!!!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Trecho e pequeno resumo de Vestido de Noiva - Nelso Rodrigues

Vestido de Noiva - Nelson Rodrigues

Trecho1

Lúcia (impressionadíssima para Pedro) - Agora, quando penso em Alaíde, só consigo vê-la de noiva.

Pedro (taciturno) - Foi isso que ela disse, só?

Lúcia (sombria) - Só. Previa que ia morrer!

Pedro (com certa ironia) - Isso também nós prevíamos.

Lúcia - Você diz "nós"!

Pedro - (afirmativo) - Digo, porque você também previa (pausa) . Previa e desejava. Apenas não pensamos no atropelamento. Só.

Lúcia (com desespero ) - Foi você que botou isso na minha cabeça - que ela devia morrer!

Pedro (com cinismo cruel) - Então não devia?

Lúcia (desesperada) - Você é um miserável! Nem ao menos espera que o corpo saia! Com o corpo a dois passos. (aponta para a direção do que deve ser a sala contígua). Você dizendo isso!

Pedro (insinuando) - Quem é o culpado?

Lúcia (espantada) - Eu, talvez!

Pedro (enérgico) - Você, sim!

Lúcia (espantada) - Tem coragem...

Pedro - Tenho. (com veemência) Quem foi que disse: Você só toca em mim casando! Quem foi?

Lúcia - Fui eu, mas isso não quer dizer nada!

Pedro (categórico) - quer dizer tudo! Tudo! Foi você quem me deu a idéia do "crime"! Você!

Lúcia (com medo) - Você é tão ruim, tão cínico, que me acusa!

Pedro (com veemência, mas baixo) - Ou você ou ela tinha que desaparecer. Preferi que fosse ela.

Lúcia - (com angústia) essa conversa quase diante do caixão!

Pedro (sempre baixo) - Não estudamos o "crime" em todos os detalhes? Você nunca protestou! Você é minha cúmplice.

Trecho 2
 (...)
Madame Clessi: Quer falar comigo?
Alaíde (aproximando-se, fascinada): Quero, sim. Queria...
Madame Clessi: Vou botar um disco. (Dirige-se para a invisível vitrola, com Alaíde atrás)
Alaíde: A senhora não morreu?
Madame Clessi: Vou botar um samba. Esse aqui não é muito bom. Mas vai assim mesmo. (Samba surdinando) Está vendo como estou gorda, velha, cheia de varizes e de dinheiro?
Alaíde: Li o seu diário.
Madame Clessi (cética): Leu? Duvido! Onde?
Alaíde (afirmativa): Li, sim. Quero morrer agora mesmo, se não é verdade!
Madame Clessi: Então diga como é que começa. (Clessi fala de costas para Alaíde)
Alaíde (recordando): Quer ver? É assim... (Ligeira pausa) "Ontem, fui com Paulo a Paineiras"... (feliz) É assim que começa.
 Madame Clessi (evocativa): Assim mesmo. É.
 Alaíde (perturbada): Não sei como a senhora pôde escrever aquilo! Como teve coragem! Eu não tinha!
 Madame Clessi (à vontade): Mas não é só aquilo. Tem outras coisas.
 Alaíde (excitada): Eu sei. Tem muito mais. Fiquei!... (Inquieta) Meu Deus! Não sei o que é que eu tenho. É uma coisa – não sei. Por que é que eu estou aqui?
 Madame Clessi; É a mim que você pergunta?
(...)

(Trecho extraído de Teatro Completo de Nelson Rodrigues - Volume 1, Peças Psicológicas. Organização de Sábato Magaldi. Editora Nova Fronteira,1990.)
NELSON RODRIGUES

            Partindo do princípio de que as relações sociais são perversas, todas as atitudes das pessoas revelam a hipocrisia, a competição desleal, os desejos proibidos, o conformismo imbecilizado ou o inconformismo agressivo, enfim, é um universo de obsessivo pessimismo.
            Todas as imagens e símbolos que emergem da peça convergem para essa amarga concepção da existência, sem nenhuma surpresa, com pouca sutileza, de maneira bem clara, em que pese a manifesta intenção de ironizar símbolos sagrados à cultura judaico-cristã. Assim Vestido de Noiva que deveria simbolizar a virgindade, a ingenuidade de sentimentos, a paixão pelo noivo com o qual ocorrerá a união sob a benção de Deus e dos homens, nos mostra um cenário completamente a este apenas descrito e acaba dessacralizando a pureza e a castidade para se tornar a representação das discórdia, da competição, e, a considerar o inequívoco desfecho da peça, em que a marcha fúnebre se sobrepõe à marcha nupcial, termina por adquirir a conotação de mortalha.
            As outras imagens também convergem para o mesmo universo simbólico, como o bouquet, espécie de troféu às avessas e metáfora de um casamento destinado ao fracasso, e a aliança - "grossa ou fina, tanto faz" nas palavras de uma prostituta -, ao invés de celebrar a união do casal, funciona como índice de disputa, rivalidade, ameaça de morte.
            A mulher de véu também se constitui numa imagem de pessimismo. É a mulher que não se revela, mas está sempre pronta a dar o bote, em seu desejo de vingança. É a retaliação sempre presente, que Alaíde só consegue identificar claramente ao final do segundo ato. Provavelmente será a próxima vítima do marido.
Suas peças agrupam-se em três núcleos temáticos:

- Peças psicológicas: A Mulher Sem Pecado (1941); Vestido de Noiva (1943); Valsa nº 6 (1951); Viúva, Porém Honesta (1957); Anti-Nelson Rodrigues (1974).

- Peças míticas: Álbum de Família (1945); Anjo Negro (1946); Dorotéia (1947); Senhora dos Afogados (1954)

- Tragédias cariocas: A Falecida (1953); Perdoa-me por me Traíres (1957); Os Sete Gatinhos (1958); Boca de Ouro (1959); Beijo nos Asfalto (1960); Otto Lara Rezende ou Bonitinha, Mas Ordinária (1961);Toda Nudez Será Castigada (1965); A Serpente(1979).


VESTIDO DE NOIVA

Plano da realidade - Alaíde é atropelada por um automóvel, o motorista foge; os jornais dão a notícia sobre o caso; Alaíde está inconsciente , é operada e morre.

Plano da memória - Recuperam-se os antecedentes do desastre: Pedro, namorado de Lúcia, acaba se casando com Alaíde. Lúcia não perdoa a irmã de ter-lhe furtado o namorado. As irmãs discutem violentamente; Alaíde sai para a rua e sofre o trauma.

Plano da alucinação - Alaíde relaciona-se com uma prostituta do começo do século XX, Mme. Clessi, que foi assassinada por um amante adolescente de dezessete anos. Neste plano, Alaíde projeta suas fantasias, por isso o jovem amante adquire as feições de seu marido, Pedro, identificando-se ela própria com a figura da madame.


POVO – Luis Fernando Veríssimo

POVO – Luis Fernando Veríssimo
-Geneci...
- Senhora?
- Preciso falar com você.
- O que foi? O almoço não estava bom?
-O almoço estava ótimo. Não é isso. Precisamos conversar.
-Aqui na cozinha?
- Aqui mesmo. O seu patrão não pode ouvir.
-Sim, senhora.
-Você...
-Foi o copo que eu quebrei?
-Quer ficar quieta e me escutar?
-Sim, senhora.
-Não foi o copo. Você vai sair na escola certo?
-Vou, sim senhora. Mas se a senhora quiser que eu venha na terça...
-Não é isso, Geneci!
-Desculpe.
-É que eu... Geneci, eu queria sair na sua escola.
-Mas...
-Ou fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Não agüento ficar fora do Carnaval!
-Mas...
-Vocês não têm, sei lá, uma ala das patroas? Qualquer coisa.
-Se a senhora tivesse falado antes...
- Eu sei. Agora é tarde. Para a fantasia e tudo o mais. Mas eu improviso uma baiana. Deusa grega, que é só um lençol.
- Não sei...
-Saio na bateria. Empurrando alegoria.
-Olhe que não é fácil...
-Eu sei. Mas eu quero participar. Eu sambo direitinho. Você nunca me viu sambar? Nos bailes do clube, por exemplo. Toca um samba e lá vou eu. Até acho que tenho um pé na cozinha. Quer dizer. Desculpe.
- Tudo bem.
-Eu também sou povo, Geneci. Quando vejo uma escola passar, fico toda arrepiada.
-Mas a senhora pode assistir.
- Mas eu quero participar, você não entende? No meio da massa. Sentir o que o povo sente. Vibrar, cantar, pular suar.
- Olhe...
- Por que só vocês podem ser povo? Eu também tenho o direito.
- Não sei...
- Se precisar pagar eu pago.
-Não é isso. É que...
- Está bem. Olhe aqui. Não preciso nem sair na avenida. Posso costurar. Ajudar a organizar o pessoal. Ajudar no transporte. O Alfa Romeo está aí mesmo. Tem a Caravan, se o patrão não der falta. É a emoção em participar que me interessa, entende? Poder dizer “a minha escola”. Eu teria assunto para o resto do ano. Minhas amigas ficariam loucas de inveja. Alguns iam torcer o nariz, claro. Mas eu não sou assim. Eu sou legal. Eu não sou legal com você Geneci? Sempre tratei de você de igual para igual.
-Tratou sim, senhora.
-Meu deus, a ama-de-leite da minha mãe era preta!
-Sim, senhora.
-Geneci, é um favor que você me faz. Em nome da nossa velha amizade. Faço qualquer coisa pela nossa escola, Geneci.
-Bom, se a senhora está mesmo disposta...
-Qualquer coisa, Geneci.
-É que o Rudinei e Fátima Araci não têm com quem ficar.
-Quem?
-Minhas crianças.
-Ah.
-Se a senhora pudesse ficar com eles enquanto eu desfilo...
-Certo. Bom.Vou pensar. Depois a gente vê.
- Eu posso trazer elas e...
-Já disse que vou pensar, Geneci. Sirva o cafezinho na sala.

O Homem nú - Fernando Sabino

Ao acordar, disse para a mulher:
      — Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa.  Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
        — Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
        — Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém.   Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão.  Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares...  Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
— Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
— Ah, isso é que não!  — fez o homem nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
— Isso é que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar.  Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador.  Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer?  Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso.  — Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
— Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
— Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
— É um tarado!
— Olha, que horror!
— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão

Crônica Lua Nua

NUA
SÍLVIA: É... O que é que a gente vai fazer?

LÚCIO: É um problema mesmo... Só que estou atrasadíssimo, depois você me liga para dizer como é que resolveu por hoje.

S: Espera aí Lúcio. Acho que você não entendeu ainda. A saída de Dulce é um problema nosso não apenas meu.

L: Mas foi você que despediu a moça, você causou o problema, agora resolve você, ora.

S: Ela extrapolou todos os limites, poderia ter sido com você, é como se ela tivesse... pedido demissão. É um problema da nossa casa, a ser resolvido, portanto conjuntamente.

L: Só que eu tenho uma entrevista com os americanos às dez e meia e estou atrasado.

S: Mas eu também tenho uma entrevista às dez e meia...

L: Ah, você não vai querer me comparar agora essa sua entrevista com o meu trabalho, vai?

S: Ah! A minha entrevista é uma frescura, apenas. O seu trabalho é muito mais importante que o meu.

L: Não é bem isso...

S: é? Diga, responde, Lúcio. É mais importante?

L: É! Pronto. Quis escutar, escutou, Sílvia. É claro que meu trabalho é muito mais importante do que o seu.

S: Pooooooooooor quê?

L: Porque... Ora, não vamos agora começar uma discussão mesquinha. Eu me nego a ser ridículo.

S: Pois eu proponho que sejamos.

L: Sílvia, eu estou atrasado, não tenho tempo para debates (Pega a pasta e vai à direção à porta da rua.).

S: Tem razão... Também estou atrasadíssima e não tenho tempo para debates (Pega a sua pasta e também vai à direção à porta de saída).

L: Quer parar de brincadeira?

(...)

S: Por que seu trabalho é mais importante do que o meu Lúcio?

L: Não é uma questão de importância Sílvia. O que você faz no escritório e o que você faz\ nesta casa são coisas valiosíssimas, mas veja... Você ficou três meses aqui, só amamentando...

S: Amamentando o nosso filho. Que agora já está com oito meses... E nosso, aliás, da sociedade toda!

L: Não começa! Eu não vou ter paciência, agora, para discurso. Ou faz nhenhenhem ou faz discurso, assim, não dá! Vamos parar de lero-lero, ta? O meu trabalho pesa mais do que o seu porque ele é para valer, escutou bem? É o meu, o meu trabalho, e não o seu que garante a segurança desta família. È com o meu salário, e não com o seu, que você conta para ter (Aponta para os pacotes de compra) esse supermercado aí, assistência médica, seguro de vida, carteirinha do clube e tudo o mais. Ta bom?

S: Amanhã pode ser o meu, lembra da tua mãe?

L: Mas o problema é hoje. È hoje que vamos resolver se vamos para os Estados Unidos ou não.

S: Sabe que você nem me perguntou de verdade, se eu quero mesmo ir? Talvez, para mim, não seja a melhor época para sair daqui.

L: Não estou entendendo. O que você está tentando me dizer?

S: Isso mesmo que você está escutando. Estou muito entusiasmada com a minha profissão neste momento. Com o caso Teixeira Leite.

L: “Caso Teixeira Leite”... Ô, Silvia, eu não queria desqualificar você, mas esse seu caso é uma bobagem! Indenização por perda de emprego de uma filhinha de papai rico. Nós dois sabemos que você não passa de uma secretária de luxo no escritório de seus amigos...

S: Sou uma advogada! Muitas vezes me esqueço disso, mas eu sou. E esse é o meu primeiro caso. Sozinha. Está escutando, Lúcio! (pausadamente) É o meu primeiro caso. Os Teixeira Leite têm influência, é a minha chance. Já faltei na primeira entrevista porque o Júnior estava com quarenta graus de febre.

(...)

L: (...) Olha, Sílvia, eu quero te ajudar, eu entendo que é uma barra, mas tenho de ir andando porque já são mais de nove horas, é um absurdo o que já me atrasei...

S: (gritando) SAAAACOOOOOO!

Adaptação e atividades do texto de Gil Vicente - Auto da Barca do Inferno

Gil Vicente – Auto da Barca do Inferno.
Não se sabe exatamente quando e onde Gil Vicente nasceu. Os poucos indícios registram seu nascimento entre 1465 e 1470, possivelmente em Guimarães, cidade portuguesa rica em artistas e artesãos. Foi ai que provavelmente, ele aprendeu o ofício de ourives. Gil Vicente viveu a maior parte de sua vida em Lisboa, centro comercial e cultural de Portugal. De origem popular, não se sabe onde adquiriu a vasta e diferenciada cultura que marcou sua obra – todas, ou quase, afirmações sobre a vida do dramaturgo são suposições.
A obra de Gil Vicente não seguiu nenhum padrão determinado. Não há sinal de que conhecesse o dama grego e não há registro histórico de um teatro  português pré-vicentino. Gil Vicente é, portanto, o criador do teatro de Portugal.
O teatro de Gil Vicente compõe um painel da época e do mundo em que viveu, fazendo uma dramaturgia crítica, ao mesmo tempo satírica e moralizante. Essa é uma das características mais complexas e vitais de seu teatro. Gil Vicente bombardeou praticamente todos os setores da sociedade, poupando apenas as abstratas noções de instituição. Criticou a hipocrisia do clero, em nome da fé cristã. Desbancou a tirania da nobreza, em nome da justiça social. Condenou a corrupção dos burocratas, em defesa do bem público. Nunca deixou de ser contundente e realista.
Foi um dramaturgo privilegiado. Pode desenvolver sua arte com liberdade, sem se preocupar com a sobrevivência diária. Viveu com certa tranquilidade, protegido e incentivado sob o regime de mecenato pelas Cortes de dois reis de Portugal. Mesmo assim, não deixou de criticar a sociedade de seu tempo. Tinha a convicção de que uma das funções sociais da Literatura era a problematização da realidade.
Auto da barca do Inferno: Publicado em 1517, pelo próprio autor a ação de peça desenvolve-se a partir da chegada dos personagens, que, um a um, desfilam por esse porto a procura da passagem para a vida eterna. Todos serão julgados pelo que fizeram em vida. O Diabo e o Anjo acusam, mas só o Anjo pode absolver. Em seguida ao julgamento, são encaminhados a uma das barcas. Tem como cenário fixo duas embarcações, em um porto imaginário, para onde vão as almas no instante da morte.
Texto e resumo adaptado livremente da peça, extraídos do livro Auto da barca do Inferno da Editora Zero Hora, 1998.
Para leitura integral da peça acesse o sítio: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=44



TRECHO 1: O primeiro interlocutor que chega é um fidalgo com um pajem que lhe leva a cauda da roupa e uma cadeira com encosto. Começa o Arrais do inferno antes que o Fidalgo fale:
Diabo: À barca, à barca, olá que temos gentil maré! Ora venham todos à barca.
Companheiro: Feito! Feito!
Diabo: Bem está! Vai tu em má hora. Arruma tudo para aquela gente que virá. À barca, à barca, hu-u! Depressa, que se quer ir! Que tempo de partir, louvemos Berzabu! Ora vamos, que fazes tu? Arruma tudo.
Companheiro: Em boa hora! Feito! Feito!
Diabo: Içar velas, preparar a barca. Oh, que caravela é esta! Põe bandeira, que é festa! Verga alta! Âncora a pique. Ó poderoso fidalgo! Cá vinde vós? Que coisa é esta?
Vem o Fidalgo chegando.
Fidalgo: Esta barca onde vai?
Diabo: Vai para a ilha perdida e há de partir logo.
Fidalgo: Para lá vai a Senhora?
Diabo: Senhor, a vosso serviço.
Fidalgo: Parece um cortiço.
Diabo: Porque o vedes de fora, mas entra para ver que beleza.
Fidalgo: A que terras iras passar?
Diabo: Para o inferno, senhor.
Fidalgo: Terra bem sem sabor.
Diabo: Que, estais a zombar.
Fidalgo: E passageiros achais para tal habitação?
Diabo: Vejo que pode você vir ao nosso cais.
Fidalgo: Eu não!
Diabo: Em que esperas ter a salvação?
Fidalgo: Eu deixo na outra vida quem reze sempre pro mim.
Diabo: Quem reze sempre por ti? (risada) E tu viveste a teu prazer. Por que rezam lá por ti?! Embarcai! Embarcai! Que haveis de ir de qualquer jeito. Mandai meter a cadeira, que assim passou o vosso pai.
Fidalgo: Que? Que? Assim lhe vai?
Diabo: Vai ou vem, embarcai depressa! Segundo lá escolhestes, assim cá vos contentai. Pois que já a morte passastes, haveis de passar o rio.
Fidalgo: Não há aqui outro navio?
Diabo: Não senhor que este fretastes, e primeiro me destes sinal.
Fidalgo: Que sinal foi esse tal?
Diabo: Do que vós vos contentastes.
Entrada da outra barca.
Fidalgo: A esta outra barca me vou.  O da barca! Para onde vai? Ah, barqueiros! Não me ouve? Respondei-me! Estou perdido! Que estúpidos. Com o devido respeito. Não me entende.
Anjo: Que quereis?
Fidalgo: Que me digas, pois parti sem aviso, se esta é a Barca do Paraíso?
Anjo: Esta é; que procuras?
Fidalgo: Que me deixes embarcar. Sou fidalgo de solar, é bem que me recolhais.
Anjo: Não se embarca tirania nesta barca divinal.
Fidalgo: Não sei por que haveis por mal que eu entre minha senhoria...
Anjo: Para vossa fantasia muito estreita é essa barca.
Fidalgo: Para um senhor de minha importância não há aqui cortesia? Abaixe a prancha. Levai-me desta ribeira!
Anjo: Não vindes vós de maneira para ir neste navio. O outro é mais vazio: a cadeira entrará, e o rabo caberá, e todo vosso senhorio.  Vós ireis mais espaçoso com esta senhoria (aponta para o Diabo), cuidando na tirania do pobre povo queixoso. E porque, de generoso, desprezastes os pequenos, achar-vos-eis tanto menos quanto mais fostes pretencioso.
 Diabo: À barca, à barca, senhores! Que maré tão prata! Um ventosinho que mata e valentes remadores.
Fidalgo: Ao inferno todavia ! Inferno há aí para mim? Enquanto vivi, não contei que o inferno havia. Tive que era fantasia: folgava ser adorado; confiei em meu estado e não vi que me perdia. Venha esta prancha! Veremos esta barca de tristeza.
Diabo: Embarque vossa doçura, que cá nos entenderemos... Pegue um par de remos, veremos como remais. E, chegando ao nosso cais, todos bem vos serviremos.
Fidalgo: Espere um pouco. Tornarei à outra vida, ver minha dama querida que quer se matar por mim.
Diabo: Que quer se matar por ti?
Fidalgo: Isto é certo que eu sei.
Diabo: Quando ela hoje rezou foi por dar graças infinitas a quem a desassombrou.
Fidalgo: Quanto ela chorou por mim?
Diabo: De alegria, caro amigo.
Fidalgo: E as lástimas que dizia?
Diabo: Sua mãe as ensinou. Entrai, entrai. Coloque o pé na prancha.
Fidalgo: Entremos, pois é assim.
Diabo: Ora, senhor, descansai, passeai e suspirai. Terá logo mais companheiros.
Diabo: À barca, à barca, boa gente, que queremos dar à vela! Chegar a ela! Chegar a ela. Muitos e de boa mente! Que barca tão valente
O fidalgo entra a contragosto na Barca.
QUESTIONAMENTOS: Que tipo de personagem atual é o fidalgo? Onde podemos pesquisar informações que representem situações onde podemos reconhecer esses tipos de ações e personagens.
TRECHO 2: Entra o Agiota, e pergunta ao Arrais do inferno dizendo:
Agiota: Para onde caminhais?
Diabo: Como demorou, agiota meu parente.
Agiota: Quisera eu lá ficar...
Diabo: Ora me espanto! Não se livrou do dinheiro?
Agiota: (Olha os bolsos) Não me deixaram nem para o barqueiro, que é costume dar um trocado para o defunto atravessar a barca.
Diabo: Não seja por isso, pode entrar.
Agiota: Eu não vou embarcar nesta barca.
Diabo: Que gentil recear.
Agiota: Para onde é a viagem?
Diabo: Para onde tu hás de ir.
Agiota: Havemos logo de partir?
Diabo: Basta de conversa. Se tem pressa podes entrar.
Agiota: Para onde é a passagem?
Diabo: Para o inferno da comarca.
Agiota: Não vou eu em tal barca.
Vai até a barca do anjo e diz:
Agiota: Ó da barca! Haveis logo de partir?
Anjo: E onde queres tu ir?
Agiota: Eu vou para o Paraíso.
Anjo: Aqui não há lugar para ti.
Agiota: Por que?
Anjo: Porque esse bolsão tomará todo o navio.
Agiota: Juro a Deus que vai vazio!
Anjo: Lá é sua barca!
Vai para a Barca do inferno.
Agiota: Tem lugar para mais um.
Diabo: Entra, entra! Remareis! Não perca mais a maré. Irás servir satanás, porque este sempre te ajudou.
Entra na Barca
QUESTIONAMENTOS: Que tipo de personagem atual é o agiota? Onde podemos pesquisar informações que representem situações onde podemos reconhecer esses tipos de ações e personagens.
TRECHO 3: Vem um sapateiro e chega ao batel do inferno:
Sapateiro: Ó da barca!
Diabo: Quem vem aí? Santo sapateiro, honrado, como vens tão carregado.
Sapateiro: Mandaram-me vir assim... E para onde é a viagem?
Diabo: Para o lago dos danados.
Sapateiro: Os que morrem confessados onde têm sua passagem?
Diabo: Chega de conversa. Esta é a tua barca – esta.
Sapateiro: Como poderá isso ser confessado e comungado?
Diabo: Tu morreste excomungado, não o que quisestes dizer. Tu roubastes bem trinta anos o povo com teu ofício. Embarca, em má hora para ti, há muito que te espero.
Sapateiro: Pois digo-te que não quero.
Diabo: Vai ir sim!
Sapateiro: Quantas missas eu ouvi, isto não conta na balança?
Diabo: Ouvir missa – então roubar é caminho para aqui.
Sapateiro: E as ofertas à igreja e as horas rezadas aos mortos?
Diabo: E o dinheiro roubado?
Sapateiro vai-se à Barca do Anjo:
Sapateiro: Ó da santa caravela, podereis me levar nela?
Anjo: A carga te embaraça.
Sapateiro: Não há Deus que me faça largar a carcaça. Isto que carrego é o tesouro do ofício.
Anjo: Esta barca que lá está, leva quem rouba da praça.
Sapateiro: Assim determina que vá coser no inferno?
Anjo: Escrito está no caderno das ementas do inferno.
Torna-se à barca dos danados.
Sapateiro: Ó barqueiros! Que aguardais? Vamos, venha à prancha logo e levai-me àquele fogo!
QUESTIONAMENTOS: Que tipo de personagem atual é o sapateiro? Onde podemos pesquisar informações que representem situações onde podemos reconhecer esses tipos de ações e personagens.

TRECHO 4: Vem um frade com uma moça pela mão entra dançando e cantando (ritmo escolhido pelo grupo)
Diabo: Que é isso, padre? Que vai lá?
Frade: Graças a Deus.
Diabo: Entra na barca. Eu tocarei e podemos fazer uma festa infernal. Essa dama é vossa?
Frade: Por minha a tenho eu, e sempre a tive de meu.
Diabo: Fizeste bem que é formosa! E não vos punham reprovação no vosso convento santo?
Frade: E eles fazem outro tanto.
Diabo: Que coisa tão preciosa... Entrai, padre reverendo!
Frade: Para onde irá esta barca?
Diabo: Para aquele fogo ardente que não temestes vivendo.
Frade: Juro por Deus que não te entendo! E este hábito não me salva?
Diabo:  Gentil padre pecador, Berzebu vos encomendou.
Frade: Corpo de Deus consagrado! Pela fé de Jesus Cristo, que eu não posso entender isso! Eu ei de ser condenado? Um padre tão namorado e tanto dado à virtude! Assim Deus me dê saúde, que eu estou surpreso.
Diabo: Embarca e partiremos: toma o teu remo.
Frade: Não embarco.
Diabo: Embarca.
Frade: Não embarco.
Diabo: Embarca.
Frade: Não embarco.
Diabo: Devoto padre marido, haveis de ser torturado com pingos ferventes.
Frade: Prossigamos nossa história não façamos mais detença. Dá cá a mão, vamos à barca da glória!
Ao batel do Anjo:
Frade: Graças a Deus!Há lugar cá para Reverença? E a senhora por estar comigo entrará lá!
Anjo: Meia volta atrás esta a sua barca.
Frade fica tentando passar, cansado desiste.
Diabo: Padre, haveis logo de vir.
Frade entra na barca.
Entra Brisida Vaz – alcoviteira.
Brísida: Olá da barca, olá.
Diabo: Quem chama?
Brísida: Brísida Vaz.
Diabo: Entrai vós, e remareis.
Brísida: Não quero eu entrar lá.
Diabo: Que saboroso receio.
Brísida: Não é essa barca que eu procuro.
Diabo: Você trouxe algum pertence?
Brísida: O que me convém levar.
Diabo: Com o que vais embarcar?
Brísida: Seiscentos hímens postiços, três arcas de feitiços, três armários de mentir, cinco cofres de dinheiro e alguns furtos alheios, jóias e vestidos. A maior carga ficou lá que eram as moças que eu vendia.
Diabo: Ora, ponha o pé aqui...
Brísida: Eu vou é para o paraíso!
Diabo: Quem te disse isso?
Brísida: Lá hei de ir nesta maré.Eu sou uma mártir, açoites tenho levado e tormentos suportados. Se fosse ao fogo infernal, lá iria todo mundo! A está outra barca me vou, que é muito melhor. Barqueiro, mano, meus olhos: desce a prancha para a Brísida.
Anjo: Eu não sei que te traz aqui...
Brísida: Peço de joelhos. Cuida que trago piolhos, anjo de Deus, minha rosa. Eu sou aquela preciosa a que criava meninas. Eu sou apostolada, angelada e martelada, fiz muitas coisas divinas. Santa Úrsula não converteu tantas cachopas como eu: todas salvas pelo meu, que nenhuma se perdeu. E prove aquela do céu que todas acharam dono.
Anjo: Ora, vai lá embarcar, estas me incimodando.
Brísida: Pois estou a lhe contar o porquê me haveis de levar.
Anjo: Não cures  de importunar, que aqui não podeis ir.
Brísida: E que má-hora eu servi, pois não me há de aproveitar.
Vai para à barca do inferno:
Brísida: Ó barqueiro da má-hora, que é da prancha, que eu me vou.
Diabo: Ora entrai, minha senhora, e sereis bem recebida; se vivestes santa vida, vós o sentireis agora.
Vem o corregedor, chega a barca do inferno:
Corregedor: Ó da barca!
Diabo: Que quereis?
Corregedor: Eu sou o Senhor Juiz.
Diabo: Oh, meu amado...que gentil de sua parte embarcar na minha barca.
Corregedor: E onde vai o Batel?
Diabo: Pro inferno.
Corregedor: Como!? À terra do Demo há de ir um juiz?!
Diabo:  Santo descorregedor, embarcai, e remaremos. Ora entrai, pois que viestes.
Corregedor: Não é de regulare júris!
Diabo: Ita,ita, daí cá a mão. Remareis um remo destes. Faz de conta que nascestes para isso. Abaixa a prancha.
 Entra o procurador. Beija a mão do corregedor.
Corregedor: Ó senhor procurador!
Procurador : Beijo-vo-las mãos, juiz. Que diz esse Arrais? Que diz?
Diabo: Que sereis bom remador. Entrai, bacharel, doutor.
Procurador: E este barqueiro zomba. Essa gente que aí está, para onde a levais?
Diabo: Para as penas infernais.
Procurador: Não vou eu para lá. Outro navio está aqui. E tem a aparência muito melhor.
Diabo: Está avisado, entra aqui que temos que ir embora.
Corregedor: Confessaste doutor?
Procurador: Dou-me ao Demo. Não cuidei que era extremo, nem de morte minha dor. E vós, senhor corregedor?
Corregedor: Eu me confessei, mas tudo quanto eu roubei encobri do confessor...
Diabo: Pois por que não embarcais?
Procurador: Porque acreditamos em Deus.
Diabo: Embarquem na minha barca... Para que esperar mais?
Vão-se embora ao Batel da glória, dizem ao Anjo:
Corregedor: Ó Arrais dos gloriosos, passai-nos neste batel.
Anjo: Pragas para o papel, para as almas odiosos! Como vindes preciosos, sendo filhos da ciência.
Corregedor: Tende piedade e passai-nos como vossos!
Anjo: A justiça divinal vos manda vir carregados, vades embarcar nesse batel infernal.
Corregedor: Venha a negra prancha cá! Vamos ver este segredo.
Procurador: Vamos ver qual é o segredo...
Diabo: Entra aqui que eu te digo.
E vem um homem que morreu enforcado:
Diabo: Venhais embora,  Enforcado. O que me diz?
Enforcado: Eu vos direi o que ele diz que fui bem aventurado que, pelos furtos que eu fiz, sou santo canonizado pois morri dependurado como o boi dependurado.
Diabo: Entra cá, governarás até as portas do Inferno.
Enforcado: Não é nessa nau que eu governo.
Diabo: Entra que ainda caberá.
Enforcado: Os que morrem como eu fiz são livres de Satanás.  E no passo derradeiro me disse nos meus ouvidos que o lugar dos escolhidos era a forca e o Limoeiro: nem guardião de mosteiro não tinha tão santa gente como Alfredo Valente que agora é carcereiro.
Diabo: Dava-se consolação isso, ou algum esforço?
Enforcado:  Com o laço no pescoço muito mal vai esta pregação. Ele leva devoção, que há de tornar a jantar... Mas quem há de estar no ar aborrece-lhe o sermão.
Diabo: Entra, entra no batel que para o inferno hás de ir.
Vêm quatro fidalgos, Cavaleiros da ordem de Cristo que morream na áfrica. Vêm cantando a letra que se segue:
Á barca, à barca segura,
Guardar da barca perdida:
à barca, à barca da vida!
Senhores, que trabalhais
Pela vida transitória,
Memórias, por Deus, memória
Deste temeroso cais!
À barca, à barca, mortais!
Porém na vida perdida se perde a barca da vida.
Vigiai-vos, pecadores,
Que depois da sepultura
Neste rio está a aventura
De prazeres e de dores!
À barca, à barca segura, guardar da barca perdida:
À barca, à barca da vida!
Diabo: Entra cá! Que coisa é essa? Eu não posso entender isso?
Cavaleiro: Quem morre por Jesus Cristo, não vai em tal barca como essa!
Anjo: Ó cavaleiros de Deus, a vós estou esperando; que morrestes pelejando por Cristo, Senhor dos Céus! Sois livres de todo o mal santos por certo sem falha: que quem morre em tal batalha merece paz eterna.